Gastronomia

 Breve História 1

Segundo a lenda, a chanfana terá surgido no Mosteiro de Semide. Até ao final do século XIX, todos os agricultores eram obrigados ao pagamento de foros. O mosteiro de Semide era quem recebia os foros dos moradores do seu couto. Muitos dos moradores, porque eram pastores, pagavam as suas «rendas» com cabras e ovelhas.
Como as freiras não tinham possibilidade de manter tão grande rebanho, descobriram esta fórmula para cozinhar e conservar a respectiva carne, aproveitando também o vinho que lhes era entregue pelos rendeiros, o louro, que tinham na quinta, bem como os alhos e demais ingredientes. Surge, assim a chanfana que era religiosamente guardada ao longo do ano nas caves do convento.

 Adaptado de “Gastronomia – Miranda do Corvo” de Mª Teresa Osório e Mª Helena Duarte



Chanfana à moda do Senhor da Serra 

Ingredientes por caçoilo:
1, 5 kg de carne de carne de cabra (velha, de preferência)

1 cabeça de alho
1 colher de sopa de colorau
cravinho
2 ou 3 folhas de louro
sal q.b.
cobrir de vinho tinto.

Corta-se a carne em postas. No caçoilo coloca-se a cabeça de alho limpa e as folhas de louro. Em seguida, coloca-se a carne, o colorau, o cravinho e o sal. Por fim, cobre-se tudo com o vinho tinto e com algumas gorduras da cabra.
Aquece-se o forno bem quente (normalmente é o forno da broa). Deixam-se ficar as brasas que vão servir para manter a temperatura e introduzem-se os caçoilos e «esquece-se» até o forno esfriar, o que leva cerca de 3 horas. A entrada do forno é barrada com cinza ou farinha para manter o calor. Ao fim deste tempo, tiram-se os caçoilos, rectificando de sal, se for necessário.
Serve-se no caçoilo em que cozeu, com batatas cozidas e com os famosos grelos do Senhor da Serra.
Este prato é rigorosamente obrigatório em todas as festas e bodas desta região. Nunca deverá ser feito no dia em que é servido, mas na véspera ou antevéspera, aquecendo-se muito bem antes de servir.

Sopa de Casamento


Trata-se de um aproveitamento óptimo do molho da Chanfana, que nunca é totalmente consumido. Como é muito saboroso e rico não só em gordura mas também nos sucos de carne, seria pena desperdiçá-lo.

Confecção:
Cozem-se as couves, preferência lombarda ou troncha.
Numa caçoila de barro dispõe-se uma camada de couves cozidas, uma camada de pão em fatias e assim sucessivamente até acabar com as couves. Deita-se por cima o molho, aquecido, da chanfana. Vai ao forno quente para apurar e tostar um pouco. 

Negalhos

Consta que a origem dos negalhos remonta à época da terceira invasão francesa. Estando a rarear a carne porque os franceses roubavam os rebanhos, a população teve de aproveitar tudo, inclusivamente as tripas dos animais, cuja carne utilizava habitualmente na sua alimentação.
Experimentaram, então, cozinhar as tripas segundo a receita da chanfana e deu resultado.
 

Ingredientes:
Bucho de cabra cortado aos bocados grandes
Tripas de cabra cortadas em bocados grandes
Vinho tinto
Cabeças de alho inteiras
Sal
Louro

Confecção:
Lavam-se muito bem as tripas e o bucho e deixam-se ficar com limão e sal durante algumas horas.
Dentro de cada bocado de bucho colocam-se bocadinhos de tripas fazendo-se uma “bola” que se cose com linha.
Deitam-se as bolas numa caçoila de barro preto com vinho tinto. Tempera-se, a gosto, com louro e cabeças de alho inteiras.
Leva-se a caçoila ao forno de lenha bem quente. A porta do forno deve ser vedada com barro, como para a chanfana. Também como para a chanfana, os negalhos ficam no forno até ao dia seguinte e, antes de os servir, com batata cozida, aquecem-se à lareira. 


Arroz-doce

O arroz-doce é uma sobremesa obrigatória nas bodas de baptizado e de casamento.
É ainda hoje usado nesta região como participação de casamento e pretexto para apresentação do noivo. As raparigas do povo, juntamente com a mãe e o noivo, visitam as famílias que conhecem e que não foram convidadas para o casamento, oferecendo uma travessa de arroz-doce, transportada numa cesta e coberta com um pano de linho feito nos teares manuais. Ao fazerem a devolução das travessas, entregavam também os seus presentes de casamento.

Ingredientes:
250 grs de arroz
1 litro de leite
300grs de açúcar
1 limão
canela em pó
 

Confecção
Coze-se o arroz em água com umas pedrinhas de sal.
Coloca-se o leite ao lume com o açúcar e a casca de limão cortada fininha e, logo que o arroz esteja a meio da cozedura, deita-se sobre ele o leite, que também deve estar a ferver.
Deixa-se cozer bem e serve-se em travessas polvilhado de canela

 Adaptado de “Gastronomia – Miranda do Corvo” de Mª Teresa Osório e Mª Helena Duarte

Nabada (Doce conventual de Semide)

Ingredientes:
1 Kg de nabos
cerca de 500 gr de açúcar
50 gr de amêndoas
sal

Escolhem-se nabos muito bons e doces.
Descascam-se, cortam-se às rodelas e cozem-se em água ligeiramente temperada com sal. Escorrem-se e colocam-se as rodelas de nabo em água fria durante quarto dias, renovando a água diariamente. A esta operação dá-se o nome de corar. Escorrem-se os nabos, espremem-se muito bem num pano e pisam-se num almofariz, tendo o cuidado de retirar os fios e algumas pontas mais duras dos nabos. Pesa-se o puré dos nabos e toma-se igual porção de açúcar. Regra geral, 1 kg de nabos dá 500 g de puré. Leva-se o açúcar ao lume com um copo de água e deixa-se ferver até fazer ponto de cabelo. Nesta altura, juntam-se o puré de nabos e as amêndoas previamente peladas e raladas. Deixa-se o doce ferver como se fosse marmelada, isto é, até se ver o fundo do tacho, tendo o cuidado de mexer constantemente. Guarda-se em tigelas cobertas com papel vegetal, passado por aguardente.
Nota: A operação de «corar» pode ser efectuada, sem prejuízo, no frigorífico.

Súplicas (Doce conventual de Semide)

Ingredientes:

4 ovos inteiros + 8 gemas
400 g de açúcar
500 g de farinhas
1 colher de sopa de canela
Raspa de um limão grande

Batem-se os ovos inteiros e as gemas com o açúcar até estar bem branco.
Junta-se a canela, a raspa do limão e a farinha. Mistura-se tudo muito bem e cozem-se as súplicas no forno em forminhas de queques untadas e polvilhas com farinha.

 (Extraído de uma brochura da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, 1991)


História do Santuário do Senhor da Serra

O nome de Senhor da Serra é sem dúvida um baptismo perfeito para um lugar caracterizado pela sua origem religiosa e a sua situação geográfica no alto de uma serra.
Mas o Senhor da Serra não é só um aglomerado de culto religioso, porquanto ali o romper de um dia de verão difere de qualquer outro.
No fim do dia, em forma de poema, assistimos à perfeita harmonia da natureza com o silêncio divino de um pôr-de-sol magnífico, abençoado por uma brisa magnífica!
Divino senhor da Serra
Que lá está no cabecinho
Muito calor que lá esteja
Sempre lá bole um ventinho
As origens do Santuário do Senhor da Serra estão intimamente relacionadas com a imagem do Santo Cristo colocada onde hoje se ergue a cruz da serra.

Todavia, favorecido por este lugar privilegiado, foi construída pelas freiras de Semide uma capelinha, mandada fazer entre 1653 e 1663, a qual serviu ainda para albergar a imagem do Santo Cristo, cada vez mais visitada devido à fama crescente de milagres.
Foi esta afluência de romeiros conjugada com o aumento do número de habitantes que impôs a construção do actual Santuário do Senhor da Serra.
A iniciativa do actual templo pertenceu ao bispo-conde D. Manuel Correia de Bastos Pina, que nomeou a primeira comissão administrativa da capela em 1897. As obras começaram pelas hospedarias (1899-1900). As da igreja iniciaram-se em 1901, estando concluído o corpo da capela e a torre em Agosto de 1904.

A vinte e um de Agosto de 1896, expirou, no Convento de Semide, D. Maria dos Prazeres Pereira Dias, última freira professa, e, com a morte dela, passou a Capela a ser administrada pelos empregados da fazenda do concelho de Miranda do Corvo, até Agosto de 1897. Neste ano, uma portaria do governo, pelo Ministério da Fazenda, autorizava o Prelado de Coimbra, D. Manoel Correia de Bastos Pina, a nomear uma comissão que recebesse as esmolas do Senhor da Serra e as administrasse. Essa comissão, nomeada a 11 de Agosto de 1897 veio a ser substituída por outra (…). Foi esta comissão que teve a honra de levar a efeito a construção da Capela actual. A 29 de Abril de 1899 resolveu a Comissão começar a obra das hospedarias que ficaram concluídas em 1900. O Divino Senhor da Serra, Capítulo VIII, pág 87, de Senhor Padre Campos Neves.

A capela é uma obra produto das diversas actividades artesanais que se desenvolveram em Coimbra, no fim do séc. XIX e no princípio do XX, em redor da Escola Livre das Artes do Desenho. O traçado é, ele próprio, uma fusão de elementos neo-góticos e românicos -, com predomínio destes, inspirados nos monumentos de Coimbra.

Tem uma só nave. A torre ergue-se a meio da frontaria, rasgando-se na base o portal e rematando ela em pirâmide. A capela-mor, poligonal, é de tipo nitidamente românico.
Lá dentro podemos apreciar o altar-mor dourado que foi executado pelos alunos da antiga Escola Industrial Avelar Brotero em Coimbra sob orientação de João Machado, tal como os belíssimos vitrais, estes sob a direcção do prof. Lapierre.

Outros pormenores de enorme interesse são os azulejos que revestem as paredes, os quais constituem representações de cenas da vida de Jesus, os altares laterais, provenientes Capela da Misericórdia de Coimbra, a pintura do Tecto, obra do pintor Eliseu de Coimbra e o púlpito de pau preto, que constitui uma obra do séc. XVII, originário da Sé Velha de Coimbra.

Outro motivo que justifica a visita ao Senhor da Serra é a oportunidade de provar a célebre chanfana à Senhor da Serra, cuja receita se pensa ter sido criada no mosteiro de Semide: os pastores pagavam os foros com cabras e, como as freiras não conseguiam manter o rebanho e queriam conservar a carne, assavam-na em vinho, também oferecido pelos rendeiros, e juntavam-lhe o louro e os alhos da quinta.
É com o molho e as sobras da chanfana que se confecciona, igualmente, a típica «sopa do casamento», sendo a carne cozinhada em tradicionais caçoilas de barro tapadas com folhas de couve, pois o concelho desenvolveu, nos séculos XVI e XVII, uma próspera industria de olaria de barro vermelho.


Ao Senhor da Serra vai
Gente de toda a nação
Ninguém lá vai que não chore
Da raiz ao coração
Ao Senhor da Serra vai
Gente de toda a comarca
Ninguém lá vai que não chore
Quando o Senhor da Serra se aparta
Retirado da Wikipedia